sábado, 10 de dezembro de 2011



Quando paramos em frente ao flat, lembro que ainda perguntei mais uma vez se era isso mesmo o que ela queria. Ela apenas me olhou e sorriu triste. Como quando a pessoa está cansada de saber da dor do dia seguinte mas insiste em congelar um dia. E saiu do carro com delicadeza e uma esperança infantil de eternizar segundos.

Olhei ela entrando, de longe. Aquilo foi terrível. Queria sair gritando e agarrá-la pelo pescoço. E dizer mais uma vez que ela não precisava disso. E que uma hora tudo iria ser tão lindo e saudável e preenchedor. Mas a deixei ir, como uma mãe que sabe que o filho vai sofrer, mas acha inevitável abrir as pernas para libertá-lo.

Três coisas facilitaram que ela achasse a vida muito divertida: os óculos escuro vagabundo que ela ganhou no casamento, as havaianas pra quando o pé cansasse e o fato de que a noite ia começar quando o dia já estava para nascer.

No elevador ela se achou absolutamente linda. Coisa que só achava nessas situações em que ninguém poderia saber o que ela estava fazendo. Ela se transformava em personagem para enganar a vida chata e todas as suas imperfeições. Tive dó quando vi a alegria que ela sentiu ao ver aquele corredor com dezenas de números. Era como uma gincana inocente onde só uma porta tinha o bilhete premiado e ela era a única que sabia o número.

Depois esperei, do lado de fora. Tudo virar frio. Ela se cansar do frio. Ela procurar o controle remoto do ar condicionado e não encontrar e morrer de frio. E querer um pedaço da coberta, mas não ter mais permissão para querer. E querer um abraço, mas não ser mais permitido ganhar isso. E querer pedir ajuda em relação ao frio, mas não ser mais permitido pedir ajuda. E querer ser vista, mas não ser mais permitido existir.

Esperei ela finalmente cansar do frio e se levantar sem fazer barulho. E enfrentar o dia seguinte, com tudo o que ele tem de real. A realidade cheia de pontas cortantes. A realidade que transforma uma mulher cheia de sonhos e carinhos e algumas boas frases em mais uma pizza que esfriou. Um delivery vencido.

E esperei sofrendo o momento em que ela se olharia no espelho e diria com os olhos borrados que sua ficha caiu. E esperei ela resgatar pelos cantos não íntimos, em silêncio e sem cúmplice, tudo o que era seu com medo de deixar algum rastro ou parecer boba.

Esperei sentadinha do lado de fora, com o coração na mão. Com medo dela fazer alguma besteira como beijá-lo quatorze vezes mesmo ele sendo mais um desses caras que não vão sequer até a porta pra se despedir ou ligam para saber se o táxi chegou direito.

Ainda assim, ela é uma dessas garotas que beijam mais um desses caras quatorze vezes. Porque um desses caras, que dá vontade de beijar quatorze vezes, aparece a cada quatorze caras. E ela se despediu de uma felicidade e uma gentileza que existiram apenas na sua emoção. O que já era algo nessa vida chata cheia de gente chata. Alguém que despertava a sua emoção.

E ela finalmente saiu. Ela e seu sorriso triste novamente. Agora um pouco mais triste, mas ainda assim iluminado. Ela e sua vontade de tomar banho quente e comer pão de queijo e voltar a ser apenas uma menina que sonha com alguém para se fazer isso junto, pela manhã. Com a maquiagem borrada e o vestido de ontem. E medo de ser confundida com puta na recepção do flat. E com medo dela própria, mais tarde, se confundir com puta.



Tati Bernardi










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